(Sobre o trabalho do Paul Wachtel) Andreia Santos e Joana Fojo Ferreira O Paul Wachtel é uma grande referência no movimento integrativo em psicoterapia, que integra a abordagem psicodinâmica com a abordagem comportamental.
Já tivemos o privilégio de estar com ele algumas vezes e ele transmite sempre uma sensação de acolhimento que transparece também em sessão com os pacientes. Uma das coisas que mais gostamos no Paul Wachtel é o extremo cuidado que ele tem no uso das palavras, preocupado em favorecer que os pacientes possam receber as suas intervenções de um modo transformador e não, pelo contrário, ativador das suas defesas. O Paul Wachtel desenvolveu também o modelo Cyclical Psychodynamics, integrando a perspectiva mais psicanalítica da importância das experiências precoces, com a compreensão que as experiências são cumulativas e que o nosso desenvolvimento resulta de uma dinâmica entre os dois tipos de experiências. A ideia é que cada pessoa tem um conjunto de interações na sua infância que determinam a forma como se relaciona consigo própria e com os outros, e que estes padrões de interação, por sua vez, favorecem que as pessoas que estão à sua volta se comportem com o próprio à semelhança das suas figuras de referência. Desta forma, a pessoa acaba por acumular uma série de experiências negativas, que vão reforçando os seus esquemas desadaptativos. Em termos terapêuticos, o Paul Wachtel propõe ajudar os pacientes a reconhecer estes padrões e o seu contributo neles, e estimula os terapeutas a adoptarem um estilo de comunicação que favoreça o reconhecimento desses padrões e a capacidade de os transformar em interações mais adapatativas.
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Tenho estado a ler o livro “Succeding with Difficult Clientes: Applications of Cognitive Appraisal Therapy” de Richard Wessler, Sheenah Hankin e Jonathan Stern, e deparei-me com uma série de questões úteis de enquanto terapeutas nos colocarmos que me fez sentido partilhar convosco.
Deixo-vos o excerto: “All therapists who practice CAT [Cognitive Appraisal Therapy] must understand their own personotypic affects [familiar emotional experiences that provide a sense of security] and emotional setpoints [nonconscious personal rules of living that prescribe how one should feel], especially as they influence interactions with difficult clients. Therapists should ask themselves the following questions to determine dominant personotypic affect and their own emotional setpoints:
Once the therapist has a feel for his or her own personotypic affect and emotional setpoint, he or she should then identify typical justifying cognitions [beliefs produced to justify familiar emotional states] and security-seeking behaviors [actions that influence a person’s social environment so that its responses prompt personotypic affects, restore the emotional setpoint, confirm one’s personal rules, and thus evoke a sense of security], since they may well be played out in the therapy relationship by the therapist. Questions the therapist can ask of him/herself include:
Additionally, the therapist may find it helpful to identify how he or she was parented. This may give him or her insight into his or her personality style, as well as into how he or she might relate to the client. More specifically, does a client with a personality style similar to one’s parent(s) more strongly activate the therapist’s personotypic affect, justifying cognitions, and security-seeking behaviors? How does the therapist’s own personality style, molded in part by how he or she was parented, affect the client? Finally, given all of the above, the therapist should ask him/herself the following additional questions:
Once the therapist has answered these questions, then he or she is ready to work with difficult clients, to see these clients as not particularly difficult to work with, after all, and to do CAT without overpersonalizing what clients say and do, without being ruled by shame, self-pity, and anger, and without being judgmental or blaming toward who clients are and what they do in therapy.” (sobre o trabalho da Leigh McCullough) Andreia Santos e Joana Fojo Ferreira A fobia aos afetos é um conceito introduzido pela Leigh McCullough e pela equipa de trabalho dela, no seguimento de se terem apercebido que muitos dos pacientes que nos aparecem em clínica têm muita dificuldade em aceder aos seus afetos/emoções, e parecem muitas vezes evitá-los num registo semelhante a uma fobia.
O que muitas vezes acontece é que, ao longo da nossa socialização, algumas das nossas emoções e necessidades centrais não foram acolhidas ou foram mesmo rejeitadas pelos nossos cuidadores. Esta situação cria tensão e desconforto em situações que reativem estas emoções, e naturalmente desenvolvemos defesas para impedir este contacto, mesmo na ausência de um contexto que o justifique. Em terapia, o que a Leigh McCullough faz é identificar o comportamento defensivo, perceber que emoção ou afeto central é que ele está a impedir de vivenciar, que sensações adversas é que contribuíram para este evitamento, e em que contexto é que este evitamento se desenvolveu. Este trabalho é feito com três objetivos: reestruturar as defesas, reestruturar os afetos, e reestruturar a noção de si próprio e dos outros. À semelhança da Diana Fosha, também a Leigh McCullough se preocupa muito em acompanhar o comportamento não verbal dos pacientes, explicitando o que está a ver, de forma a ajudá-los a tomarem consciência e aprofundarem a experiência de si próprios. Tem também muito o cuidado de ajudar os pacientes a compreender e abrir mão das suas defesas, e aproveita a experiência da relação para lhes proporcionar viverem as suas emoções centrais e experimentarem, no espaço terapêutico, aquilo a que não se conseguem expôr lá fora. A conjugação destes aspetos torna o trabalho da Leigh McCullough uma excelente fonte de aprendizagem e reflexão, que vale a pena conhecer. (ou o impacto do trabalho do Jeremy Safran em nós) Felizmente tive o privilégio de, ainda enquanto estudante, me fazer acompanhar de professores e terapeutas que me introduziram desde cedo a referências marcantes da comunidade psicoterapêutica, que influenciaram imensamente o meu crescimento enquanto clínica e o trabalho que ainda hoje faço com os meus pacientes. O Jeremy Safran foi uma destas primeiras referências; com ele aprendi a ter particular atenção à relação terapêutica, reconhecer impasses e rupturas na relação que estejam a dificultar o andamento do processo, e não ter medo de, de uma forma cuidada e respeitosa, partilhar com o paciente aquilo que eu sinto estar a acontecer na relação, no paciente e/ou em mim própria. Joana Fojo Ferreira Ao longo da formação de um psicólogo, uma das expressões mais ouvidas é a relação terapêutica, contudo até conhecer o trabalho de Jeremy Safran, esta expressão para mim, não passava de um conceito vago, difícil de operacionalizar e sobretudo implícito. Através da leitura das suas obras, consegui perceber que a relação terapêutica não é somente algo que está lá em pano de fundo ou implícito, mas um ingrediente essencial e que deve ser explicitado. Se por um lado, esta ideia me permitiu estar mais à vontade em terapia, por implicar mais espontaneidade e uma maior responsividade ao que está a acontecer no momento, por outro implicou desafiar-me como pessoa porque implicou estar em contacto com as minhas próprias emoções. Andreia Santos Aspectos centrais do trabalho do Jeremy Safran
O foco principal da investigação e trabalho clínico do Safran é a relação terapêutica, particularmente a aliança terapêutica. O ponto de viragem que o Safran introduziu foi aproveitar a relação terapêutica não só para compreender e conceptualizar a experiência do paciente, mas muito para intervir com o paciente, devolvendo-lhe e clarificando o que está a acontecer no processo ou na relação. Trabalhar a relação terapêutica, para o Safran, não é meramente confrontar o paciente com o seu próprio funcionamento, mas sim o terapeuta implicar-se, ou seja, perceber o que é que é seu e o que é que é do paciente e/ou da relação dos dois, e comunicar isto ao paciente de uma forma cuidadosa e validante. É aqui que entra o conceito de metacomunicação, tornar o implícito explícito, trazer a relação e o processo para o foco do trabalho terapêutico. Com que intuito? Frequentemente a relação terapêutica reflecte o funcionamento interpessoal do paciente lá fora, a forma como reage aos outros e o tipo de reacções que estimula nos outros também. Explicitar estes padrões favorece a tomada de consciência dos mesmos. Por outro lado, explorar e compreender estes padrões no seio de uma relação segura, possibilita ensaiar formas diferentes de se relacionar. Como a relação terapêutica é um encontro entre duas pessoas, com expectativas e realidades interpessoais diferentes, a existência de rupturas/impasses/estranhezas na aliança é praticamente inevitável. O papel do terapeuta não é impedi-las, mas sim repará-las. É neste sentido que o Safran reflecte e esquematiza diferentes tipos de ruptura e formas de intervir nelas no sentido de as resolver. Muitas vezes assustamo-nos com a perspectiva de sair do lugar do especialista para alguém que de facto se está a relacionar com o outro, em que passamos mesmo a falar de nós, com o bom e o mau que isso acarreta. É aqui que o Safran tem o poder de nos tranquilizar, além de suscitar vontade de nos implicarmos mais e mais profundamente nos processos terapêuticos. Nestes dois aspectos ele é absolutamente inspirador. (ou o impacto do trabalho da Diana Fosha em mim) Dos momentos mais marcantes no meu percurso profissional, enquanto aprendiz, foi ter tido o privilégio de estar num Workshop da Diana Fosha em Florença, em 2010, na altura sem saber nada sobre ela, e sair do Workshop a dizer “Isto é o que eu achava que deveria ser a terapia e não sabia que existia”. De facto, depois de um Workshop em que todos (e incluo grandes referências da comunidade psicoterapêutica internacional) chorávamos profundamente emocionados com os vídeos das sessões dela, percebi que encontrei na Diana Fosha aquilo que implicitamente procurava, e que também só descobri que procurava quando o encontrei nela.
Como é que é a Diana Fosha em terapia? O que é que é tão emocionante e profundamente tocante no trabalho dela? Não é fácil explicitá-lo em palavras, é algo que se vive e que se sente, mais do que se explica. E de facto viver e sentir, experienciar, é uma das pedras basilares, se não a basilar por excelência, do trabalho dela. Todo o trabalho terapêutico que faz com os pacientes é ancorado no facilitar que acedam e experienciem as emoções e os afectos, agradáveis e desagradáveis, que constituem a sua vivência psicológica mais autêntica e profunda. E ela está sempre com eles a ajudá-los a aprofundar a experiência, progressivamente mais e mais em contacto consigo mesmos. Este experienciar e explorar as profundezas do mundo psicológico dos pacientes, é sustentado numa relação de segurança com o terapeuta, alguém profundamente sintonizado com o paciente, atento, dedicado, verdadeiramente presente. A presença e disponibilidade da Diana Fosha para os seus pacientes é do mais bonito que já vi, verdadeiramente impressionante, e que nos toca profundamente também a nós, só de ver. Esta ligação profunda, de um respeito e carinho imensos, diferente do que o paciente está habituado a receber lá fora, é o que lhe permite baixar as defesas e permitir-se experienciar e partilhar o mais íntimo e mais autêntico de si. E a sensação de acompanhamento (em contraste com a solidão habitual) que o respeito e presença validante do terapeuta imprimem, permitem-lhe transformar ainda a imagem de si e a vivência de si, criando um potencial reparador e transformador fenomenal. A alternância entre experienciar por um lado, e reflectir sobre a experiência por outro, para a aprofundar ainda mais e dar-lhe um sentido mais coerente e apaziguador, no seio de uma ligação profunda e securizante com o terapeuta, é o que torna o processo terapêutico imensamente rico e transformador, e faz do trabalho da Diana Fosha algo imperdível e absolutamente inspirador. Por vezes surgem-nos questões/dificuldades com um paciente e não temos possibilidade de imediatamente supervisionar o caso.
Ainda assim, ele ocupa-nos e é importante podermos pensar um bocadinho sobre ele e fazer não super mas autovisão. Tenho vindo a pensar que questões potencialmente desbloqueadoras é que podemos fazer a nós próprios, e decidi deixar algumas que tendem a ser úteis para mim. Geralmente procuro questionar-me:
Estas questões não cobrem certamente todas as necessidades e não têm que seguir nenhuma ordem particular, muitas vezes elas retroalimentam-se e sentimos necessidade de voltar a uma questão que nos pusemos anteriormente para lhe responder agora com mais entendimento. Acima de tudo o que procuro com estas questões é desmontar 3 perspectivas de análise para as rearticular de uma forma mais compreensiva e que favoreça o processo terapêutico:
Estas questões tendem a ajudar-me a desbloquear, a compreender impasses e dificuldades, e inclusivamente levar questões mais claras para supervisão. E a si, que questões tendem a ajudá-lo a sair de impasses e ultrapassar dificuldades com os seus pacientes? Deixo-vos ligação para o artigo de acesso gratuito “Do Therapists Cry in Therapy? The Role of Experience and Other Factors in Therapists’ Tears” de Blume-Marcovici, Stolberg e Khademi (2013), cujo tema julgo sensível e gostava de partilhar convosco algumas das minhas ideias, semelhantes na realidade às do artigo, e contar com as vossas em comentário.
Começo por excertos do artigo que vão muito ao encontro da minha experiência de lágrimas (ou expressão lacrimejante) durante o processo com os meus pacientes. “Respondents in the present study were presented with a list of emotions and asked to check which they felt during their most recent crying episode (they could check more than one). The most common emotion reported was sadness (75%), the second most common emotional state was feeling emotionally “touched” (63%), and the third was warmth (33%). Furthermore, the fifth most common emotion was gratitude (15%), and the seventh was joy (12%). Thus, of the top three most common emotional experiences, two were generally “positive” affect states, and one was “negative” (i.e., sadness). Of the top seven, four were “positive,” and three were “negative.” This is in contrast to the top three emotions felt by the client, as speculated by the therapist: sadness (59%), grief/loss (38%), and powerlessness (34%), all “negative” emotions. This suggests that TCIT [therapist’s crying in therapy] may occur in situations in which the therapist experiences a more positive affective valence than one might intuitively assume. Indeed, in 73.7% of most recent crying episodes, respondents checked at least one positive emotion. In 54.6%, at least one positive and one negative emotion were listed, indicating an often “mixed” emotional valence for the therapist.” “(…)the affective tone of therapy sessions— or moments—in which TCIT occurs [seems to be] more positive or emotionally “mixed” than situations in which individuals tend to cry in daily life. This is meaningful, as it challenges a potential view of TCIT as occurring due to the therapist being overwhelmed by intense negative emotions that arise in therapy, and instead signals a moment of potentially positive emotional connection, even if amid painful negative affect.” Escolhi estes excertos por de facto ter a sensação que as lágrimas, ou a expressão do impacto emocional que as partilhas dos pacientes têm em nós, não têm que simbolizar que não estamos a saber lidar com a dor deles nem têm necessariamente que ter um impacto negativo neles. Creio, contudo, que é importante, enquanto terapeutas, sabermos fazer esta distinção e percebemos quando é que a expressão da nossa emoção não prejudica o processo e é inclusivamente potencialmente produtiva, e quando é que sinaliza que algo se passa connosco e não estamos a conseguir estar com o paciente no seu sofrimento. A minha reflexão vai para nos questionarmos qual é a causa, ou a causa maioritária, da nossa emoção. Eu diria que a expressão de emoções intensas fruto de uma sensação de ligação ao paciente, de emoção por ele estar a conseguir partilhar connosco algo tão importante, ou por ele estar a ser tão genuíno na partilha de algo tão tocante, tenderá provavelmente a ser produtivo para o processo e sentido como validação e acolhimento pelo paciente; julgo também que a expressão destas emoções, ainda que na forma de lágrimas, tende a ser organizada e tranquila, o sentimento que a partilha do paciente gera no terapeuta não é angústia desconfortante, mas ligação, empatia, reconhecimento, e admiração até. Quando a expressão de emoções intensas tem mais a ver com bloqueios nossos, áreas sensíveis nossas onde o material do paciente toca, especialmente quando as nossas feridas são recentes ou foram recentemente reactivadas, aí é potencialmente prejudicial para o paciente, porque deixamos de conseguir estar a trabalhar com ele e no sentido de lhe dar espaço e acolhimento para trazer as suas coisas e se sentir amparado nelas, para sentir que tem que cuidar do terapeuta ou reforçar a sensação que os seus problemas são demasiado pesados e ninguém os consegue aguentar. Neste cenário, julgo que a expressão destas emoções tende a ser desorganizada e intranquila, o terapeuta fica angustiado com o material que o paciente traz e bloqueado na sua capacidade de se desfocar de si e cuidar do paciente. A minha sensação (ou a minha esperança) é que a maioria das lágrimas dos terapeutas em terapia são lágrimas de empatia e ligação, e aí temos um momento único e potencialmente reparador do paciente se sentir visto, acolhido, respeitado e reconhecido na sua dor. Quando perante o segundo cenário, creio (ou quero acreditar) que a maioria dos terapeutas conseguirá nalgum momento reconhecer que alguma coisa não está bem em si, evitar uma partilha desastrosa com o paciente, e procurar cuidar de si fora do processo do paciente. Quando perante o primeiro cenário, independentemente de ser na forma de lágrimas ou através do olhar, ou do toque, ou do sorriso, ou de uma partilha verbal do que estamos a sentir; para onde este tema me leva é cada vez mais para o reforço dos princípios humanistas de nos darmos permissão para estarmos genuinamente e integralmente com os pacientes, conscientes e aceitantes de nós mesmos e do impacto que eles têm em nós. A nossa autenticidade pode fazer diferença. |
Autora
Joana Fojo Ferreira Um espaço onde partilho reflexões, questões clínicas e excertos de obras ou artigos que considero trazerem considerações importantes à prática clínica.
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