Ao longo do meu percurso profissional, tenho tido a oportunidade, e eu diria que o privilégio, de trabalhar com pacientes com dificuldades mais estruturais, em que o seu funcionamento intra e interpessoal, mais rigidificado em padrões desadataptivos, os coloca recorrentemente em ciclos interpessoais improdutivos e insatisfatórios.
Estes pacientes tendem a ser grandes desafios para nós terapeutas, já que muitas vezes despertam em nós as mesmas reacções adversas que despertam nos outros lá fora, e das quais se queixam, sem se aperceberem do seu contributo para elas. Estes pacientes precisam nalguma altura do processo terapêutico perceber como funcionam e como esse funcionamento lhes trás problemas, mas o processo de os ajudar a percebê-lo precisa ser muito cauteloso, precisamos dar-lhes tempo e espaço, e precisamos pelo caminho gerir as nossas próprias frustrações e as nossas próprias reacções mais adversas aos comportamentos que eles nos dirigem. O trabalho terapêutico com estes pacientes é de facto muito exigente, mas pode também ser muito gratificante, se conseguirmos usar as reacções contra-transferenciais que eles nos provocam em benefício do processo terapêutico e não contra ele. A exigência do trabalho com estes pacientes reside em vários factores:
Adicionalmente, no trabalho com estes pacientes é essencial fazermos supervisão com terapeutas mais experientes e que tenham a capacidade de nos conter e nos acompanhar nas nossas próprias dificuldades e frustrações, para que a experiência seja o menos dolorosa e o mais gratificante possível. Estes pacientes precisam imenso de nós e do nosso investimento, que possamos não desistir deles e sim melhorarmos a nossa capacidade de os acompanhar.
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Num vasto leque de abordagens terapêuticas fala-se em perturbação da personalidade borderline, enquanto na abordagem psicanalítica se fala em estrutura borderline (entre a neurose e a psicose).
Ainda que esteja mais familiarizada com a visão de perturbação da personalidade borderline, na minha prática clínica tenho-me deparado com pacientes com características borderline por vezes muito claras, mas que apresentam ao mesmo tempo formas de estar e de se relacionar variadas, que trazem desafios terapêuticos muito diferentes mesmo que identificados com a mesma perturbação. Ainda que possamos interpretá-los como casos de comorbilidade, a visão dinâmica de Estrutura Borderline, mais do que Perturbação da Personalidade, parece enquadrar-se melhor na minha experiência de pacientes borderline. Deixo à vossa consideração excertos do “Diagnóstico Psicanalítico” da Nancy McWilliams e aguardo ansiosamente as vossas considerações sobre a questão, que podem deixar nos comentários. “(…) em meados do século XX, começaram a aparecer outras ideias sobre a organização da personalidade que sugeriam um meio-termo entre neurose e psicose. (…) Muitos analistas começaram a queixar-se em relação a clientes que pareciam apresentar perturbação de carácter, mas de uma forma caótica peculiar. Na medida em que raramente ou nunca referiam alucinações ou delírios, não podiam ser considerados claramente psicóticos, mas também lhes faltava a estabilidade e a preditibilidade dos pacientes de nível neurótico, e pareciam ser infelizes numa escala muito maior e menos compreensível do que os neuróticos. (…) eram demasiadamente sãos para serem considerados loucos e demasiadamente loucos para serem considerados sãos.” “Esta designação [Borderline] representa um nível e não um tipo de patologia. Pode-se ser um histérico borderline, um obsessivo-compulsivo borderline, uma personalidade narcísica borderline, e assim por diante; pode-se estar organizado narcisicamente a um nível neurótico, borderline ou psicótico. A colocação do “borderline” a par de designações de personalidade como histriónica, obsessivo-compulsiva e narcísica, como se fosse comparável às mesmas, mistura maçãs e laranjas, ou mais propriamente, mistura uma designação mais específica de “maçãs” com uma outra mais geral como “fruta”.” O que diz a vossa experiência? |
Autora
Joana Fojo Ferreira Um espaço onde partilho reflexões, questões clínicas e excertos de obras ou artigos que considero trazerem considerações importantes à prática clínica.
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